Política

Dia dos Povos Indígenas

Publicado

em

Nesta terça-feira, 9 de agosto, é dia de se comemorar mais um Dia Internacional dos Povos Indígenas do Mundo. A data foi inserida no calendário das Nações Unidas (ONU) em 1994. O tema escolhido para a edição deste ano discute o papel das mulheres indígenas na preservação e transmissão do conhecimento tradicional. 

Segundo a ONU, a estimativa é que a população indígena mundial gire em torno de 476 milhões de pessoas. Espalhados por 90 países, eles se dividem numa rica diversidade de povos. Juntos, falam cerca de 7 mil línguas e representam 5 mil culturas diferentes. 

Mas essa riqueza permanece sendo, no entanto, fortemente ameaçada. Isso porque, embora representem menos de 5% da população mundial, os indígenas se encontram entre as camadas mais vulneráveis, compondo o contingente dos 15% mais pobres. Também são os que têm mais chances de viver em extrema pobreza, superando em quase três vezes os índices da categoria, em comparação aos não indígenas. No mercado de trabalho, são os mais afetados pela economia informal e também pela baixa escolarização. 

Todo esse excludente cenário torna-se ainda mais desigual, quando o recorte toma como exemplo a situação enfrentada pelas mulheres indígenas. É por essa razão que elas, que tradicionalmente ocupam lugar de destaque em suas comunidades, como guardiãs da natureza e detentoras do conhecimento, têm ocupado papel cada vez mais importante na luta em defesa de seus direitos coletivos e na demarcação de seus territórios. 

No Brasil, onde a diversidade é igualmente significativa (são mais de 800 mil indivíduos, divididos em 305 etnias, que, em conjunto, falam 274 línguas), as mulheres indígenas vêm assumindo uma liderança política e cultural cada vez mais expressiva. Desde que Tuíra Kayapó levantou seu facão em protesto contra projetos da Eletronorte em seu território, durante o 1º Encontro dos Povos Indígenas do Xingu, realizado em 1989, em Altamira, no Pará, a força feminina no movimento cresceu exponencialmente, podendo ser, hoje, observada em muitos eventos recentes. 

O último deles aconteceu em abril deste ano. Trata-se da maior mobilização indígena nacional: o Acampamento Terra Livre (ATL), que realizou, em 2022, a sua 18ª  edição. Com o tema “Nossas Vozes Ancestrais Retomando o Brasil: Demarcar Territórios e Aldear a Política”, o evento contou com ampla participação de mulheres de todas as regiões do país. No palco principal e também nas programações das tendas paralelas, elas compartilharam suas vivências, conhecimentos e o projeto de conquistar espaços na política institucional. 

Outro evento de destaque é a Marcha das Mulheres Indígenas, que realizou, em setembro passado, a sua 2ª edição. Com o tema “Mulheres Originárias: reflorestando mentes para a cura da Terra”, o movimento ocupou a capital do País para dizer “não” à agenda anti-índigena, em especial, à tese jurídica do “marco temporal”, que permanece aguardando votação junto ao Supremo Tribunal Federal (STF). A organização do evento vem sendo protagonizada pela Articulação Nacional das Mulheres Indígenas Guerreiras da Ancestralidade (Anmiga).

Na pauta, também foi levantada a bandeira pelo fim da violência contra as mulheres indígenas. Na ocasião, houve ritual em memória póstuma das adolescentes Raissa Guarani Kaiowá (11) e Daiane Kaingang (14), ambas violentadas e mortas, respectivamente, no Mato Grosso do Sul e Rio Grande do Sul, em agosto de 2021. Mulheres indígenas de todo o país fizeram atos e lançaram manifestos à época, denunciando o contexto violento de vulnerabilidade a que estão submetidas.

Desde então, o movimento Anmiga vem denunciando sucessivos atos de violência cometidos contra mulheres indígenas pelo Brasil. Somente neste ano, já foram registradas quatro ocorrências, uma delas envolvendo torturas e ameaças contra uma anciã e rezadora por parte de indígenas evangélicos; além de uma agressão e uma tentativa seguida de um caso consumado de feminicídio.     

O movimento também vem se posicionando contra o avanço do Projeto de Lei (PL) 191/20, do Executivo Federal, no Congresso Nacional. A matéria visa autorizar a atividade de garimpo em terras indígenas. 

Outro que também preocupa é o PL 490/2007, que está em tramitação na Câmara dos Deputados, com vários apensados. Além de reforçar a defesa do marco temporal, o texto ainda flexibiliza o contato com povos isolados, proíbe a ampliação de terras que já foram demarcadas e permite, igualmente, a sua abertura para atividades mineradoras.

READ  Estudantes-atletas indígenas da etnia Xerente são destaque na abertura oficial dos Jogos Escolares Brasileiros

Veja, a seguir, quem são e o que pensam e reivindicam alguns expoentes do movimento de mulheres indígenas no cenário nacional. Para ter acesso a uma lista mais ampla, clique aqui.

Sonia Guajajara

“Hoje, nós mulheres, estamos presentes em muitos espaços, de participação, de controle social, nas universidades, mulheres profissionais, mulheres cacicas e mulheres parlamentares. Hoje podemos sim participar e construir um Brasil que caibam todas nós. Somos muitas e diversas. Estamos aqui em nome das que nos antecederam e daquelas que ainda virão”.

Foi com essa fala que a líder indígena, Sônia Guajajara, abriu a plenária “Retomando o Brasil: Vozes Diversas das primeiras brasileiras”, durante a ATL 2022. Considerada, hoje, uma das principais vozes do movimento indígena nacional,  “Soninha”, como costuma ser chamada por familiares e amigos, é coordenadora executiva da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (APIB) e integrante do Conselho da Iniciativa Inter-religiosa pelas Florestas Tropicais do Brasil, que integra o Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente (Pnuma). 

Filiada ao Psol, Sônia Guajajara foi a primeira candidata indígena a concorrer em chapa presidencial, destacando-se como vice de Guilherme Boulos, nas eleições de 2018. Pertencente ao povo Guajajara/Tentehar, ela nasceu, em 1974, na Terra Indígena Araribóia, que fica localizada em território maranhense. É formada em Letras e em Enfermagem e também especialista em Educação Especial pela Universidade Estadual do Maranhão (UEMA). É também mãe de Yaponã, 22 anos; Mahkai, 20; Ywara, 16; e Intaniara, que morreu de hepatite aos 2 anos.

Joenia Wapichana

“Não é preciso mudar a legislação para libertar as populações indígenas. A nossa Constituição já dá essa autonomia, reconhecendo a organização de cada um desses povos. Não é preciso retirar seus direitos para se reconhecer nenhuma atividade econômica. É possível conciliar a sustentabilidade com o desenvolvimento. Existem muitas fake news dizendo que os povos indígenas são presos aos direitos constitucionais. No caso, é o contrário. A Constituição protege a coletividade e não o individualismo. Por isso, é necessário criar políticas para reforçá-la e não retroceder. A terra tem uma finalidade social para os povos indígenas no sentido de possibilitar a sua existência e sobrevivência física e cultural”.

(Depoimento registrado em audiência pública da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, realizada em agosto de 2021) 

Pioneira em vários setores, Joênia Wapichana se destaca como a primeira mulher indígena a exercer a advocacia no país e também a ocupar uma cadeira no Congresso Nacional. Eleita deputada federal, em 2018, ela é uma das atuais representantes do estado de Roraima, na Câmara Federal, onde coordena a Frente Parlamentar Mista em Defesa dos Direitos dos Povos Indígenas (FPMDDPI). A legisladora, que é filiada à Rede Sustentabilidade, assume o posto depois de quase 40 anos da eleição de Mário Juruna, que exerceu o mesmo cargo, representando o povo Xavante, pelo PDT/RJ, entre 1983 e 1987.

Nascida em 1974, na comunidade indígena Cabeceira do Truarú, que fica dentro da etnoregião Murupú, localizada na zona rural do Município de Boa Vista, Joênia pertence à etnia Wapixana, que integra o grupo étnico aruaque. É formada em Direito pela Universidade Federal de Roraima (UFRR) e possui título de mestre pela Universidade do Arizona, nos Estados Unidos.

No STF, Joênia também fez história, ao ser a primeira advogada indígena a realizar uma sustentação oral durante o julgamento que definiu a demarcação de Raposa Serra do Sol (RR), em 2007. O território, que vem sofrendo constantes ameaças especialmente por parte de grupos de garimpeiros, abriga parte das populações Wapichana do estado. Junto, estão também representantes dos povos Makuxi, Taurepang, Ingarikó e Patamona.

Alessandra Korap Munduruku

“Minha atuação sempre foi pelo território, pela demarcação da terra. Se o governo não demarca nosso território, somos nós mesmos que temos que fazer a nossa defesa e fazemos isso incentivando os jovens a trabalhar com audiovisual, a manusear GPS e buscar autonomia para sempre decidir o que queremos. A nossa luta é contra as usinas hidrelétricas. E o projeto para a Bacia do Tapajós são 41 usinas hidrelétricas! E ainda tem a construção da Ferrogrão. Tudo ligado ao agronegócio. A gente mora no Sudoeste do Pará, mas percebemos que essa é uma luta de todos. É uma luta dos índios, dos quilombolas, dos ribeirinhos e até mesmo de quem mora nas cidades, que também vão sentir esses impactos, que nos afetarão mais diretamente”.

(Entrevista publicada em 2019) 

READ  Votação de projeto que altera a Saneago fica para esta 4ª-feira

Liderança do povo Munduruku, Alessandra vem se destacando na luta indígena nacional com participações marcantes em inúmeras mobilizações e eventos. Embora seu reconhecimento junto ao movimento já venha de longa data, ela ganha mais ampla visibilidade, em 2019, após um vídeo seu com o ex-deputado Rodrigo Maia, então presidente da Câmara Federal, ter viralizado nas redes sociais. 

A intervenção se deu durante a realização da 15ª edição do ATL, em Brasília. Na ocasião, a líder dos Tapajós,  denunciou a invasão dos territórios indígenas por madeireiros e garimpeiros, exigiu a demarcação de terras e questionou a presença dos evangélicos nas aldeias, pedindo respeito à cultura indígena e aos ancestrais.

Moradora da aldeia Praia do Índio, em Itaituba, no estado do Pará, a ativista também reside na cidade de Santarém, onde cursa Direito na Universidade Federal do Oeste do Pará (UFOPA). Alessandra ganhou reconhecimento internacional por seu trabalho em 2020, quando recebeu o Prêmio Robert F. Kennedy de Direitos Humanos, nos Estados Unidos.

Sandra Benites

“Quando a colonização invadiu o que é hoje o território brasileiro, só existiam limites entre a diversidade. Tínhamos autonomia. Por isso os colonizadores projetaram essa ideia que o indígena não tinha rei, nem regras, nem alma. Mas a verdade é que, desde a invasão colonial, fomos perdendo o direito à terra, sendo silenciados. Fui alfabetizada em uma língua que não conhecia. E a língua não é só traduzir ou entender. Existiam muitos indígenas falantes de línguas diferentes, com organizações diferentes, mas todos vivíamos da terra, compartilhando o mesmo espaço. Nós, indígenas, nos sentimos parte da natureza, e não fora. A nossa filosofia de vida não gera dinheiro. Respeitar a diversidade não dá lucro. Por isso, até hoje existe essa ideia do indígena atrasado, que não produz, não se desenvolve. É o projeto que a colonização implantou desde que invadiu esse território. Por isso, a importância de hoje a gente se escutar mais e entender as culturas mais silenciadas.”

(Entrevista publicada em agosto de 2021) 

Antropóloga, curadora de arte e educadora, Sandra Benites é exaltada como uma das principais vozes indígenas no universo acadêmico do Brasil atual. Nascida em 1975, na aldeia de Porto Lindo, localizada no município de Japorã, no Mato Grosso do Sul, ela se divide, hoje, entre o papel de mãe, pesquisadora e ativista Guarani. 

Benites é formada no curso de Licenciatura Intercultural Indígena do Sul da Mata Atlântica, na Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), e defendeu mestrado em Antropologia Social, no Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), em 2018. Ela ocupa lugar de destaque como a primeira curadora indígena a trabalhar em um museu brasileiro. Dentre estes, registra passagem pelo Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp), onde esteve, na função, de 2019 até maio deste ano, quando pediu demissão, após fotos sobre o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) e a luta indígena serem vetadas de uma mostra.

Em suas pesquisas discute as diferenças entre o modo de “educação tradicional do povo Guarani” e a “educação escolar indígena”, imposta pelo Estado brasileiro. Também exalta o protagonismo das mulheres indígenas e seu papel na perpetuação da cultura tradicional.

Fonte: Assembleia Legislativa de GO

Comentários do Facebook
Propaganda
Clique para comentar

Deixe uma resposta

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

CIDADES

PLANTÃO POLICIAL

POLÍTICA

ECONOMIA

MAIS LIDAS DA SEMANA