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Redução do parque em debate

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Está em tramitação na Câmara dos Deputados um projeto de decreto legislativo que visa reduzir, novamente, a área do Parque Nacional da Chapada dos Veadeiros (PNCV). A unidade de conservação está localizada nos municípios de Alto Paraíso, Cavalcante, Nova Roma, Teresina de Goiás e São João da Aliança, todos situados no Nordeste goiano. A matéria foi apresentada pelo deputado federal Delegado Waldir (PSL/GO), durante a sessão plenária realizada no dia 2 de agosto desse ano.

Caso aprovado, o projeto sustará os efeitos do Decreto de 5 de junho de 2017 (Dsn 14.471), da Presidência da República, que determinava a ampliação da referida unidade de conservação. Com isso, a área do parque voltará a sofrer redução de mais 70% de sua extensão atual. O território, que conta, hoje, com 240 mil hectares, passará a ter apenas os 65 mil hectares de que dispunha antes da edição da medida expedida pelo Governo do então presidente Michel Temer (MDB). 

Ao defender a proposta, o deputado Delegado Waldir sustenta que a redução do parque visa beneficiar, especialmente, 230 famílias de pequenos agricultores da região, cuja subsistência teria sido supostamente ameaçada com a ampliação da referida unidade, em 2017.

Opositores da proposta contestam a justificativa dada pelo parlamentar. Uma das principais contestações vem sendo apresentada pela Associação de Amigos do Parque da Chapada dos Veadeiros (AVE). Segundo o diretor geral da entidade, o advogado ambientalista Julio Itacaramby, a argumentação apresentada pelo parlamentar contradiz não apenas a legislação fundiária e ambiental atual, mas também, uma série de estudos técnicos na área. 

“A alegação do deputado é uma inverdade. Os estudos fundiários que fundamentaram o projeto de ampliação do PNCV mostraram que existiam menos de dez edificações em toda a área ampliada, sendo que parte delas estava abandonada. Das edificações que existem dentro do PNCV são pouquíssimas as que estão habitadas e a retirada desses moradores só irá acontecer quando for devidamente finalizado o processo indenizatório referente ao ressarcimento pelas benfeitorias existentes no local”, esclareceu.

A proposta de redução do PNCV conta, atualmente, com mais de 14 mil manifestações contrárias à sua aprovação. O número representa 99% das votações reunidas na enquete do projeto, que se encontra disponível na página da Câmara dos Deputados.

Informações detalhadas sobre o PNCV se encontram compiladas em seu plano de manejo. O documento está disponível na página do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), onde, também, se encontram as principais orientações para a sua visitação. A entidade é o órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA) atualmente responsável pela administração do parque.  

Repercussão na Alego

Na sessão plenária do último dia 12, dois parlamentares da Assembleia Legislativa de Goiás saíram em defesa da manutenção do decreto atualmente vigente. O primeiro a se manifestar foi o deputado Antônio Gomide (PT). Durante a apresentação de matérias, ele protocolou uma moção de solidariedade à Associação de Amigos do Parque da Chapada dos Veadeiros e contra a proposta em tramitação no Congresso Nacional. 

No documento apresentado à Mesa Diretora da Alego, Gomide ressalta a importância da unidade de conservação e lembra que a preservação ambiental é um direito constitucional. “O parque foi eleito, esse ano, o melhor do Brasil, o 25º melhor do mundo pelo Tripadvisor e Patrimônio Natural da Humanidade pela Unesco em 2001”, arrematou o parlamentar.

Em discurso no Pequeno Expediente, o deputado Henrique Arantes (MDB) reforçou o apelo inicialmente feito por Gomide e, também, defendeu a manutenção da área atual do PNCV. Ele lembrou que, em Goiás, existem apenas duas unidades destinadas à proteção integral da natureza (a outra é o Parque Nacional das Emas, que está situado no sudoeste goiano, entre os municípios de Mineiros e Chapadão do Céu).

O emedebista destacou, ainda, a importância econômica do parque, que tem contribuído para alavancar o turismo e geração de divisas em Goiás. “Há como trabalhar em conjunto. A nossa produção agrícola é grande e esse parque não derruba a nossa produção. Muito pelo contrário! Ter um parque de qualidade, legal, também traz proventos ao estado”, pontuou. 

Acompanhe, a seguir, a entrevista, na íntegra, com o advogado ambientalista Júlio Itacaramby. Nela, o entrevistado expõe, em detalhes, o que está em jogo no projeto de redução do PNCV, que tramita na Câmara dos Deputados, em Brasília.

*** Itacaramby é fundador e atual diretor geral da AVE. Na entidade, ele também atua diretamente nos projetos voltados ao uso público e turismo de natureza. Mestrando da UnB, Júlio vem desenvolvendo pesquisa referente à visitação em parques nacionais e à sua aplicação na abertura de novos atrativos, principalmente trilhas. Seu foco principal é a implementação de trilhas de longo percurso, como o Caminho dos Veadeiros, que está em fase de implantação dentro do PNCV.    

Com a ampliação, o PNCV aumentou em quase quatro vezes a sua área anterior. O que motivou uma expansão dessa magnitude? 

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É sempre bom ressaltar que o PNCV foi criado em 11 de janeiro de 1961, por Juscelino Kubitschek, com 625 mil hectares. Ao longo do tempo, ele foi sofrendo várias reduções até chegar aos limites anteriores, que era de 65 mil ha. O decreto expedido pelo Temer, em 2017, apenas recuperou, portanto, parte da área originalmente criada. Em vez de “ampliação”, nesse caso, o termo correto seria “recuperação da área original”. 

Como se deu esse processo de ampliação do PNCV, a partir do decreto emitido durante o Governo do ex-presidente Temer?  Já está tudo devidamente regularizado?

É importante lembrar que esse processo já vinha sendo conduzido há mais de uma década, com vários estudos técnicos, principalmente na área da conservação da biodiversidade. Foram esses estudos que mostraram, justamente, a necessidade de uma área maior para se garantir a qualidade de representação da fauna e flora do Cerrado. Quando houve a mudança de Governo da Dilma para o Temer, esse processo, que já existia no Ministério do Meio Ambiente (MMA), foi tocado para frente e concluída a sua fase final. Foram mapeados, então, quais outros interesses havia nessa área. Por exemplo, o Ministério de Minas e Energia identificou que existia um grande interesse minerário em uma pequena parcela em Nova Roma. Mas o principal era, de fato, o estudo fundiário, que demonstrava que, grande parte dessas áreas, eram glebas devolutas pertencentes ao estado de Goiás. Isso porque as pessoas não tinham o título de propriedade das terras, tinham apenas a posse. E a Lei Estadual de Regularização Fundiária estabelece que todas essas terras devolutas ocupadas por posseiros pertencem ao Estado e devem ser destinadas para fins de conservação, preferencialmente. Com base nisso é que foi concluído o estudo que culminou na ampliação do PNCV. 

Então, essa ocupação humana no local foi levada em consideração? E o que ficou resolvido, ao final?

Sim. O foco dos estudos técnicos que motivaram a ampliação tinha dois argumentos principais. O primeiro era esse da conservação da biodiversidade e o segundo era o aspecto fundiário. Esse último ponto indicava, na verdade, que não havia ali grandes ocupações, principalmente de pessoas. Os estudos demonstraram que, além da densidade demográfica ser muito baixa, a incidência de atividades agropecuárias também era praticamente inexistente, porque o relevo protegeu muito essa região toda ao longo dos anos. Não foram os ambientalistas nem muito menos o Ministério do Meio Ambiente ou a política ambiental do País, mas sim o relevo que determinou essa preservação. Onde dava para passar o trator, isso já havia sido feito, inclusive. O que acontece é que os estudos demonstraram que existia essas áreas remanescentes e improdutivas, que eram propícias para a conservação e capazes de garantir a representatividade da fauna e da flora dessa região.

No projeto do deputado Delegado Waldir, ele reivindica estar atuando em favor, principalmente, de centenas de pequenos agricultores que foram prejudicados com o decreto em vigor. Como vocês veem essa questão? 

O argumento apresentado pelo projeto do delegado Waldir, de que existem mais de duzentos proprietários rurais sendo lesados, não é verdade. Primeiro, porque nenhuma área antropizada, que já teve, por exemplo, a sua vegetação nativa convertida em pasto ou lavoura para a agricultura ou a agropecuária, foi incorporada ao projeto de ampliação do parque. Não há interesse para a conservação em se criar uma área em cima de um pasto ou de uma lavoura de soja, que seja. Por isso, as áreas destinadas à ampliação foram mapeadas e recortadas, cirurgicamente. Os que foram afetados pela ampliação do parque, que eram proprietários ou posseiros ali na região, nenhum deles terá que sair imediatamente de suas terras, antes que seja encerrado o processo de indenização. 

Quantas ocupações havia, de fato, no local?

Os estudos fundiários citados mostraram que existiam menos de dez edificações em toda a área ampliada, sendo que parte delas estava abandonada. Das edificações existentes dentro do PNCV, são pouquíssimas as que estão habitadas, coisa de cinco, não mais que isso. A retirada desses moradores só acontecerá quando for devidamente finalizado o processo indenizatório referente ao ressarcimento pelas benfeitorias existentes no local. Não existe esse terrorismo, que as pessoas temem, de serem expulsas, com o pessoal do ICMBio chegando lá armado e mandando o povo sair. Pelo contrário, é um processo longo, demorado, e infelizmente existe pouco recurso para indenizar e efetivar esses processos. Mas, mesmo assim, vale lembrar que esses processos já estão em andamento. Por isso, outra mentira que circula é a que diz que ninguém está sendo indenizado.

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Você mencionou que a maioria dessas ocupações eram de posseiros, que não têm o título de propriedade para as indenizações. Essa regularização não deveria ter sido concluída pelo Estado de Goiás, antes da emissão do decreto federal?

Sim. Inclusive esse foi um dos questionamentos apresentados pelo próprio Governo do Estado, na época. Ele disse que era preciso esse tempo para terminar o processo de regularização fundiária e emitir o título aos posseiros que ali estavam, para que eles pudessem, com isso, ter direito à indenização dessas áreas. O Governo do Estado reconheceu, inclusive, que essa era uma responsabilidade que já devia ter sido cumprida. Em razão disso, o Governo federal concedeu, então, seis meses para que a situação fosse devidamente solucionada, o que não aconteceu. Vale lembrar que, por lei, nenhum Governo pode indenizar a desapropriação de uma área que não tem título, que é só posse.

E como fica a situação dessas pessoas? Não seria injusto com elas serem desapropriadas sem receber as indenizações? 

Sim. Em um primeiro aspecto parece que houve, de fato, uma injustiça, mas, na verdade, constitucionalmente falando, o que prevalece nesses litígios é a primazia do interesse público sobre o privado. Esse processo de desapropriação que acontece em um parque, por exemplo, acontece em diversos outros interesses públicos, como, por exemplo, ao se abrir uma estrada ou ao se construir uma hidrelétrica, que necessita, nesse último caso, de um alagamento gigante. Isso foi o que aconteceu aqui na Serra da Mesa, que é o terceiro maior lago artificial do mundo. Na época, houve a desapropriação de um monte de gente que também não tinha título, tinha só posse e não foi indenizada. O argumento que prevaleceu foi justamente o da primazia do interesse público, porque precisava gerar energia. Da mesma forma que precisa gerar energia, a gente também precisa garantir a conservação do Cerrado e do meio ambiente, que é igualmente um direito público, previsto na Constituição. A primazia do interesse público está assegurada tanto na Constituição quanto na lei estadual de Goiás, que já previa que as glebas devolutas pertenciam ao Estado e deveriam ser destinadas à conservação.

Em termos gerais, qual o papel do PNCV para a preservação do bioma Cerrado?

O PNCV cumpre um papel importante na preservação dessa região, porque se insere dentro de uma área delimitada por campos de altitude. Essa área é considerada, hoje, um hotspot de biodiversidade, o que significa dizer que concentra uma enorme biodiversidade, inclusive com muito endemismo, que são espécies que só ocorrem nesse local. O Cerrado compõe um terço do território nacional e aqui são um dos poucos locais que têm Cerrado de altitude acima de 1.200 metros. 

A conservação também é capaz de movimentar um componente econômico, que é o da atividade turística. Qual a importância do parque para o turismo em Goiás?

O ecoturismo no Brasil cresce, hoje, a taxas de 10% a 20% ao ano e o PNCV teve um crescimento de visitação de mais de 200% nos últimos dez anos. Esses números, por si só, acho que já embasam a importância do parque para o turismo, não só para Goiás, como para o Brasil inteiro. O crescimento do turismo aqui é grande e, inclusive, pouco monitorado, porque se houvesse dados mais precisos, principalmente da visitação das cidades e não especificamente do parque, que monitora os seus visitantes, esses números seriam ainda mais potencializados. De qualquer forma, a questão central nessa discussão toda é justamente essa, de que além da conservação, a ampliação da área do PNCV vai atender, a uma atividade econômica que está sendo muito mais próspera e que é a maior vocação aqui da região. 

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